ATEA manda carta para O DIA

Na matéria “Trabalho com fé e paixão no Redentor” 
(http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2010/5/trabalho_com_fe_e_paixao_no_redentor_84801.html), Fabiana Sobral descreve os homens que trabalham na estátua como “operários católicos, evangélicos, espíritas e até uns que se dizem ateus”. Entendemos que a referência aos ateus nessa frase é, no mínimo, pouco respeitosa. Além do estranho artigo indefinido, com tons depreciativos, utilizado unicamente com os ateus, parece que a auto-identificação dos ateus parece não ser suficiente e restar sob suspeita. Todos os religiosos pesquisados pela repórter são listados naturalmente por sua filiação da maneira como se descrevem, ao passo que os ateus parecem não merecer essa simples deferência.

No trabalho jornalístico é importante distinguir os fatos das opiniões, e as alegações dos dados. Se um indivíduo é presidente de uma associação de bairro, em geral basta sua afirmação para que ele seja assim reconhecido para fins da reportagem. Quando se identifica como católico, assim será descrito. Mas um sujeito se descreve como ateu, há jornalistas que entendem vital lembrar que isso é apenas o que ele diz de si mesmo.

Serão os ateus menos confiáveis? Será sua auto-identificação menos verossímil? Será difícil imaginar, entender ou aceitar que um indivíduo seja ateu? Ou talvez o simples fato de um ateu trabalhar na estátua que é símbolo de religiosidade  seja difícil de acreditar. De um jeito ou de outro, parece que a repórter não confere à auto-identificação dos ateus o mesmo nível de credibilidade que aos demais cidadãos.

A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, uma entidade civil sem fins lucrativos e que representa milhares de ateus no país, vem trabalhando para que os ateus sejam reconhecidos como membros plenos e respeitáveis da sociedade, e pede a O Dia que assuma o papel positivo que cabe à imprensa na erradicação de todas as formas de preconceito e discriminação.

Atenciosamente

Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos
www.atea.org.br


Sugerimos a todos que enviem suas opiniões ao jornal através do endereço http://odia.terra.com.br/portal/faleconosco.html

 

Sobre a criação de ‘vida artificial’

O desenvolvimento da chamada “vida artificial” é uma daquelas  
fronteiras científicas que qualquer pessoa com um mínimo de formação  
científica sabia que seria vencida. É sem dúvida uma descoberta  
importante, mas perfeitamente alinhada com o nível de conhecimento e  
das técnicas de manipulação atuais. Essa não é uma daquelas  
descobertas que surgem por acaso, inesperadamente, mas a sequência  
natural e previsível de uma longa cadeia de pesquisa que continuará  
progredindo e que não tem absolutamente nada de espantoso. Ela só gera comoção em quem sabia, por motivos religiosos, que o homem não conseguiria chegar lá. Ou não deveria.

Se o fato gerou notícia é porque vivemos em uma sociedade que sofre  
uma epidemia de ignorância científica e vê o mundo com os olhos  
firmemente ancorados em superstições e desconhecimento. Quando a  
síntese de uréia em laboratório solapou a ideia de vitalismo, soava o  
avançado ano de 1828. Ora, 182 anos mais tarde, as pessoas ainda estão  
espantadas porque também não conhecem o que existe de mais básico na  
biologia, que são as descobertas de Darwin — ou, pior, se recusam a  
aceitá-las, preferindo aceitar como fatos a mitologia de uma tribo  
nômade que remonta à época do bronze.

É extremamente instrutivo comparar o medo que as descobertas  
científicas causam com o absoluto desinteresse jornalístico pelas  
novidades da indústria bélica,  que são criadas com o propósito claro  
e específico de ferir e matar pessoas e destuir suas famílias, suas  
casas, suas escolas e hospitais, suas cidades. A discussão sobre os  
caças a serem adquiridos pela aeronáutica brasileira ou sobre novas  
fragatas e submarinos atômicos jamais passa pelo índice de letalidade  
que essas armas possuem.

Quantas pessoas podem morrer com o lançamento de um único míssil?  
Quais as consequências do uso indevido desses instrumentos de  
destruição? Qual será o cenário gerado por eles em caso de uma guerra?  
Nada disso interessa à mídia, nada disso interessa à sociedade, nada  
disso interessa aos religiosos. Por outro lado, a criação ou a  
destruição de uma única célula em laboratório, com o objetivo de  
entendermos melhor o universo em que vivemos e gerarmos melhores  
condições para a vida abrigada por ele, causam ondas de indignação,  
espanto,  medo, fúria. Não é preciso ser um gênio para perceber que  
existe alguma coisa de errado aqui.

Se essa distorção não fica aparente é porque está turvada por  
desconhecimento, dogmas religiosos e preceitos de alegada moralidade  
que procuram preservar e quimeras como alma e força vital em prejuízo  
do bem-estar e do conhecimento de humanos reais, de carne e osso, e de  
todo sofrimento indizível causado em milhões de indivíduos pela  
‘natureza perfeita’.

Membros do Vaticano já se pronunciaram afirmando que “só deus pode  
criar a vida”  
[http://www.theglobeandmail.com/news/world/europe/vatican-warns-artificial-cell-creators-that-only-god-can-create-life/article1576898/?cmpid=rss1], apesar de os fatos os contradizerem frontalmente, mais uma vez. Para o bispo Domenico Mogavero, os cientistas ‘não podem jamais esquecer que só existe um criador: deus’. Se os cientistas levassem essas considerações a sério, a descoberta de Craig Venter jamais teria sido realizada. É esse o tipo de sociedade que desejamos? Porque esse é o tipo de sociedade idealizada pela maior instituição religiosa do planeta.

A crença em qualquer uma das milhares de divindades já criadas pelo  
homem não é necessariamente incompatível com o progresso científico.  
No entanto, a história mostra com extrema clareza que, século após  
século, descoberta após descoberta, o pensamento retrógrado sempre foi  
cuidadosamente nutrido e abrigado em templos e igrejas, de onde saem  
as vozes mais estridentes contra o avanço do conhecimento e a evolução  
dos padrões morais. A religiosidade quase sempre anda de mãos dadas  
com o medo do conhecimento. E isso não pode jamais ser uma coisa boa.

Diálogo entre a Atea e Janer Cristaldo

No último dia 12, o colunista Janer Cristaldo publicou o texto Coisa de Ianques, em que comenta a entrevista que Daniel Dennett concedeu à Folha de São Paulo – e que acabou gerando uma série de respostas e contra-respostas envolvendo o jornal, a Atea e outros leitores, conforme postado nesta coluna. O título se refere ao preconceito contra ateus, que seria uma exclusividade de norte-americanos e, para ele, não existiria aqui no país. No mesmo dia, a Atea enviou ao jornalista o email abaixo.

 


Prezado colunista

a respeito de sua coluna “coisa de ianques”, devo informá-lo que infelizmente a ideia de que não existe preconceito contra ateus no país é equivocada, e há números para prová-lo. Reuni alguns desses dados no item 4 de

https://www.atea.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=49&Itemid=54

Um dos motivos de existência da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos é justamente lutar contra esse preconceito, que pode ser prontamente confirmado por uma infinidade de descrentes. Sugiro que dê um pulinho em comunidades online e pergunte por essas experiências, e encontrará várias. Não é à toa que os criminosos são chamados de “sem 
deus” por aqui e que tantas pessoas apontam a falta de religião como causa do crime. São maneiras perfeitamente equivalentes de apontar que ateus são criminosos. Veja alguns exemplos bem suaves em

https://www.atea.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=56&Itemid=59
https://www.atea.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=58&Itemid=63

Gostaria muito de conhecer sua visão sobre os dados que lhe apontei.

Cordialmente

Daniel Sottomaior
www.atea.org.br


 

Cristaldo se manifestou diretamente em seu blog com o texto Eu, ateu, e a Atea, cujas principais afirmações passamos a responder a seguir. Sugerimos a todos que conhecem casos de preconceito e discriminação que enviem seus relatos a ele através do endereço janercr@terra.com.br, com cópia para o endereço atea em atea.org.br.

 

 1) A caracterização dos ateus como imorais não é preconceito, apenas “legítima defesa de fanáticos que se sentem feridos em suas convicções. Se teço críticas à fé dos crentes, é perfeitamente normal que os crentes reajam a minhas críticas. Se reagem baseados em falsas premissas, azar o deles.”

O azar é deles e também nosso. Se formos caracterizar como fanáticos todos os que nos vêem como imorais, então quase todos os religiosos são fanáticos. reagir a críticas é normal e legítimo. Identificar todo um grupo de pessoas como a própria fonte do mal é canalhice da grossa, que desde sempre foi utilizada contra grupos discriminados, como judeus e negros. Ainda que as acusações de imoralidade ateia fossem “legítima defesa”, isso não as faria menos preconceituosas, segundo todas as definições correntes. Por exemplo:

 

  • Preconceito é um juízo preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude discriminatória perante pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou “estranhos”. Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém, ou de um grupo social, ao que lhe é diferente. As formas mais comuns de preconceito são: social, racial e sexual[1]. De modo geral, o ponto de partida do preconceito é uma generalização superficial, chamada estereótipo. Exemplos: “todos os alemães são prepotentes”, “todos os norte-americanos são arrogantes”, “todos os ingleses são frios”. Observar características comuns a grupos são consideradas preconceituosas quando entrarem para o campo da agressividade ou da discriminação, (Wikipedia)
  • 1. Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial.
    2. Opinião desfavorável que não é baseada em dados objectivos!. = intolerância
    3. Estado de abusão, de cegueira moral. (Dicionário Priberam)

    •   1 Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos adequados. 2 Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência ou razão. 3 Superstição que obriga a certos atos ou impede que eles se pratiquem. 4 Sociol Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença, opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos. P. de classe: atitudes discriminatórias incondicionadas contra pessoas de outra classe social. P. racial: manifestação hostil ou desprezo contra indivíduos ou povos de outras raças. P. religioso: intolerância manifesta contra indivíduos ou grupos que seguem outras religiões. (Michaelis)

 

2) “Mas Sottomaior me envia ainda as razões pelas quais devo associar-me à ATEA”

Conforme fica claro no email que enviamos, o link foi enviado porque continha alguns exemplos de discriminação.

 

3)  “Como escrevi, nunca presenciei, em minhas seis décadas de vida, discriminação alguma contra ateus. É fácil falar em empregos perdidos. Mais difícil é comprovar esta afirmação. Ora, se alguém disputa um cargo de secretário numa paróquia, não pretenderá ocupá-lo se se declarar ostensivamente ateu. Tampouco seria de bom tom fazer profissão de ateísmo em plena missa. Claro que isso gera reações. Daí a discriminação vai uma longa distância.”

É evidente que o fato de alguém não ter presenciado um evento não é uma boa indicação de que ele não exista. Não se trata apenas de empregos perdidos, mas de laços sociais e familiares rompidos, relacionamentos amorosos, relações entre professores e alunos, pais e filhos, clientes e empresários, e muitos outros. E obviamente não se trata dos grotescos exemplos fornecidos por Cristaldo. Ele utiliza o critério único da experiência pessoal para fazer uma ampla generalização, erro fundamental que fica ainda mais difícil de entender tratando-se de um jornalista. Aparentemente, ele não se deu ao trabalho de fazer uma única pesquisa. Nenhuma verificação, nenhum levantamento, nenhuma busca de vítimas, nada. Assim, com os olhos bem fechados, fica bem fácil comprovar qualquer coisa. Se ele tivesse se dado ao trabalho de consultar o Orkut, por exemplo, notaria duas comunidades dedicadas ao combate do preconceito contra ateus somando mais de 7 mil membros. E, é claro, a resposta dele convenientemente ignora a pesquisa da Fundação Perseu Abramo.

É fácil de entender por que ele nunca presenciou discriminação contra ateus: além de jornalista, ele mesmo se identifica como de uma geração marxista. Como jornalista, ele nunca dependeu da avaliação alheia de suas crenças e nunca teve que rezar junto com outros empregados, como acontece em tantas áreas do trabalho hoje. Ele astava cercado de ateus, e nunca teve que fazer negócios, dependendo da aprovação de religiosos, que hoje também são muito mais furiosamente cristãos do que costumavam ser há algumas décadas. Ora, é claro que assim não sofreu preconceito. Mas é claro também que jamais olhou para além do seu umbigo, imaginando que ateus do país inteiro, de todos os extratos e lugares, tiveram a mesma experiência que ele. Pensamento mais religioso, impossível.

É sintomático que ele tenha afirmado que no Brasil “desde há muito ser homossexual não constitui peso algum”. Talvez isso também seja válido dentro do clima liberal e mais iluminado das redações. Mas os homossexuais continuam em grande parte no armário, continuam sendo discriminados, continuam sofrendo preconceito, continuam sendo humilhados e sofrendo violência de todos os tipos. É claro que o panorama é melhor do que já foi, mas está muito, muito longe de não constituir peso algum. Tenho contato próximo com lideranças do movimento homossexual, e não conheço ninguém que partilhe essa sensação de bonança de Cristaldo. Muito pelo contrário, eles são unânimes em afirmar que há muito por fazer. Concordo, no entanto, que não existe preconceito contra homossexuais no Brasil, tanto quanto não existe preconceito contra ateus.

 

4)  “Cá entre nós, apesar das pesquisas do CNT/Census, os dois últimos presidentes eleitos pelo ‘maior país católico do mundo’ eram confessadamente ateus.”

Este é mais um sintoma claro de como o jornalista está bem informado a respeito do assunto em que tem opiniões tão fortes e definitivas. Vejamos o que nos fornece uma verificação superficial:

Deus está comigo porque eu sou católico e creio nele. Se Deus passou aqui em algum momento e tinha um ateu no governo, Deus não deu atenção. No meu caso, ele falou: ‘Bom, deixe-me ajudar esse cristão aqui, desse eu vou cuidar’.” (Lula, em discurso durante a abertur do 79o ENIC)

Eu sou católico” (Lula, em entrevista ao site Canção Nova, 2007) 

Sou católico” (Lula, em declaraçao de janeiro de 2009) 

 “Sou um homem que não precisa provar a cada dia que sou católico ou que creio em Deus.” (Lula, em entrevista de 2005)

Até o cardeal Cláudio Hummes reconhece o catolicismo de Lula, segundo declaração sua de 2005. QUanto a Fernando Henrique, é notório o fato de que ele tentou evitar a todo custo uma pergunta de Boris Casoy sobre seu ateísmo. Desde então, ele é o mais manso dos católicos. Em 2006, declarou à Playboy que gosta de ir à missa: “Às vezes até ouço pela TV. Tenho um rosário na minha cabeceira. Acho que a religião está fazendo falta.” Se algum deles é ateu, como imagina Cristaldo, faz tudo para esconder. E se não é, Cristaldo está errado de qualquer jeito.

 

5) “O que comprova que pesquisa e palpite são a mesma coisa.”

Ah, bom. Se uma pesquisa cuidadosa e metodologicamente correta não vale nada, isso justifica por que o jornalista se sente autorizado a emitir suas opiniões ex cátedra, sem qualquer consulta aos dados, como se verdades fossem.

 

6) “Por outro lado, me soa insólita uma associação de ateus. É como se fosse uma associação de solipsistas. Ou de solitários, como quisermos.”

Se solipistas fossem identificados como o mal da sociedade, talvez tivéssemos uma analogia aqui. Mas não é o caso. Ateus são vistos como a fonte do mal, e o Estado que deveria se identificar igualmente com todos está a serviço da religião, quando não de credos específicos. A única via para alterar esse estado de coisas é associar os interessados. Se Cristaldo não deseja mudar nada, é a opção dele. Mas muitos outros desejam, e nada há de insólito nisso.

 

 7) “Ateu é o homem que nega a fé em deus ou deuses. Que crentes se associem para preservar sua fé, até que entendo. Nós, ateus, não temos fé nenhuma a preservar. Nossa descrença dispensa apoio de quem quer que seja.”

 De fato, não temos fé a preservar. Mas não estamos tentando. Os objetivos da associação são outros, e estão clara e publicamente definidos no site. Não estamos buscando apoio de outros, mas proteção contra seus ataques.

 

8) “Mais insólita ainda me soa uma associação brasileira de ateus, como se ateu tivesse pátria. Ora, nós somos universais. Não existe ateu brasileiro ou ateu francês ou ateu espanhol. Existem ateus, simplesmente.”

O jornalista tem direito às suas crenças exóticas, mas não pode nos culpar por isso. Ateus são tão brasileiros ou franceses quanto católicos ou muçulmanos, de acordo com seus governos e seus concidadãos. Posso imaginar a dificuldade de Cristaldo em explicar esse conceito ao sargento que tentava alistá-lo no exército, depois aos oficiais dos cartórios eleitorais, aos inspetores da receita federal… “Veja bem, eu sou ateu, e ateus não têm pátria. Por que tenho que me alistar, votar, pagar imposto? Sou universal!”

 

9) “Desconfio de todo ateu militante. É alguém que não está contente com seu próprio deus. Mas está doidinho para encontrar um outro na esquina.”

 

É direito do jornalista desconfiar de quem quiser, mas não de acusá-los do que quer que seja, muito menos em virtude de suas próprias pretensões telepáticas de saber o que pensam outros ateus. Esta entidade se reserva o direito de desconfiar de todo jornalista que não se dá ao trabalho de checar suas informações. 

 

Resposta à carta da Atea para a Folha

No último dia 15, a Folha de São Paulo publicou a carta abaixo:

 

“Discordo do leitor Daniel Sottomaior (“Painel do Leitor”, 13/5) quando diz que fé e razão em tudo são antônimos e mutuamente excludentes e que a fé é a crença dogmática, a despeito das evidências. Em relação à ciência, não há confronto com os dogmas da igreja. Os dogmas tratam de conceitos que não podem ser discutidos pela ciência, como a virgindade de Maria.
Como a ciência pretende questioná-la? São conceitos inacessíveis à ciência, acima da compreensão humana, por isso são profundamente discutidos pela igreja antes de serem proferidos.”

LUIS FERNANDO M. BADDINI

 

Não faz sentido discutir com o autor na seção de cartas do jornal, que forneceria apenas uma pequena fração do espaço necessário para isso. Portanto, em benefício dos interessados nessa importante questão, responderemos neste espaço ao missivista.

1) “Em relação à ciência, não há confronto com os dogmas da igreja”.

É preciso definir o tipo de confronto de que se está falando. O confronto de metodologias é necessário e inevitável, conforme explicamos em nossa carta anterior, e resta confirmado pelas afirmações do missivista. O confronto de conclusões não necessariamente ocorre, pois em princípio poderíamos ter como dogma a afirmação de que o Sol nasce todos os dias no leste. Mas na prática sabemos que isso não ocorre, e os dogmas religiosos jamais recebem o apoio da ciência. Se recebessem, não seria necessário inventar um nome e toda uma instituição para fazer as pessoas crerem neles: os dogmas seriam facilmente reconhecidos como verdades por qualquer indivíduo, e ninguém se preocuparia mais com isso. 

 

2)  “Os dogmas tratam de conceitos que não podem ser discutidos pela ciência, como a virgindade de Maria”.

Isso só seria verdadeiro caso se utilize alguma definição muito esdrúxula do campo de estudos da ciência. Todos os fenômenos que ocorrem na natureza estão sob o escopo de estudo da ciência, e a maneira através da qual qualquer mulher concebe ou concebeu um filho sem dúvida é um desses fenômenos: ele teve um lugar no espaço e no tempo, e suas consequências (a produção de um filho) são plenamente observáveis através dos métodos de pesquisa usuais. É claro que existe dificuldade em obter hoje as evidências pertinentes para a análise do caso, mas o grau de dificuldade no estudo de um fenômeno não é critério para definição do que pertence ou não ao escopo da ciência. O que o missivista esá tentando vender aqui é uma versão da doutrina do NOMA, o Non-Overlapping Magisteria, ou a ideia de que ciência e religião são magistérios não superponíveis, ou seja, que não existe qualquer intersecção entre seus campos de atuação. Isso é falso.

Digamos, por exemplo, que de alguma maneira encontremos um tecido que pudesse ser confiavelmente ligada Jesus. Se pudesse ser extraído DNA da amostra, e ficasse claro que ele provém de um indivíduo normal, mas com DNA exclusivamente feminino, será que os cristãos de todo o mundo, incluindo o missivista, dariam de ombros e diriam que não importa? É claro que não. A reação seria obviamente a de dizer que a ciência confirma a religião. Mas isso nunca aconteceu, nem vai acontecer, e é por isso que se insiste tanto na falsa ideia de que ciencia e religião são campos distintos.

Ademais, a ciência tem, sim, um veredito a dar sobre concepções virginais: elas são impossíveis. É possível que estejamos errados, claro, mas existe uma vasta quantidade de conhecimento que apoia essa ideia. O mesmo se aplica a todos os demais dogmas. 

 

3) “Como a ciência pretende qustioná-la?” 

De duas maneiras: em primeiro lugar, apontando que, segundo uma enorme base dedados coletada até houje, e tudo que sabemos de genética e embriologia, a produção de zigotos viáveis requer o material genético de um pai biológico. E em segundo lugar, apontando que o ônus da prova é de quem faz a afirmação, e que não há evidências extraordinárias à altura da alegação extraordinária.

 

4) “São conceitos inacessíveis à ciência, acima da compreensão humana.”

Ambas as afirmações são falsas, conforme mostramos acima. 

 

5) “por isso são profundamente discutidos pela igreja antes de serem proferidos”

“Discussão profunda” não é critério de verossimilhança. Ou algum cristão estaria disposto a aceitar as doutrinas muçulmanas depois de sua “discussão profunda” por imãs?

Atea entre na justiça contra IBGE

Foi protocolada na justiça federal da 3a região a ação da Atea contra o IBGE para que o instituto divulgue os dados relativos aos ateus:

 

PROCESSO : 0010170-93.2010.403.6100

PROT: 06/05/2010

CLASSE : 00029 – PROCEDIMENTO ORDINARIO

AUTOR: ASSOCIACAO BRASILEIRA DE ATEUS E AGNOSTICOS

REU: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA – IBGE

VARA : 2 

Reportagem sobre ateísmo cita Atea

Cerca de 32% dos estudantes da PUCSP não possuem religião.

 

Acessem a matéria no original, deixem seus comentários e respondam a pesquisa.

Folha de SP publica carta da Atea

A Folha de S. Paulo publicou hoje a carta que a entidade enviou, com uma pequena e esperável edição:

 

Ateísmo
“A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos parabeniza a Folha por, mais uma vez, abordar o tema do ateísmo (na entrevista com Daniel Dennett, em 10/5, e no editorial “Ateus e religiosos”, 11/5). Embora pareça inusitada a comparação entre ateus e homossexuais, os paralelos são muitos, a começar pela ampla rejeição social que sofrem esses grupos.
Rejeitamos a ideia de que exista qualquer semelhança entre as propostas de ateus como Dennett e o dogmatismo religioso e em nenhum momento afirmamos ou insinuamos que nossas propostas não possam ou não devam ser contestadas. Não só jamais negamos a dúvida ou o ceticismo como os encorajamos, aberta e entusiasticamente.
Mas não há exagero nenhum em negar a conciliação entre fé e razão, pois em tudo elas são antônimos e mutuamente excludentes. A fé é a crença dogmática, a despeito das evidências, e a razão é a dúvida sistemática a partir das evidências.”
DANIEL SOTTOMAIOR, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (São Paulo, SP)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1305201010.htm

 

Atea recebe carta de Daniel Dennett

A Atea envioua Daniel Dennett a íntegra de do texto de sua entrevista à Folha, assim como o editorial que se seguiu a ela, conforme comentamos neste espaço. Eis a resposta que recebemos:

 Here is a letter you may translate and send in my name:

     I am always amused when the critics of the new atheists say that we re just as bad (or almost as bad) as religious fanatics. At least we agree about one thing: religious fanaticism is truly a bad phenomenon. But we atheists are not, in general, dogmatic. On the contrary, we carefully present the reasons and evidence for our positions, and draw distinctions between different varieties of religion. Another asymmetry s even more important: the defenders of religion are happy to rely on science for their medicine, their technology, their weather forecasting, heir economics, even though they mostly don’t understand how or why it works. We who have no allegiance to a religion often appreciate its music, art, and poetry, but do not find knowledge on any topic–not ethics, not history, not metaphysic–that can match the secular knowledge on the same topics. 

Daniel Dennett

 

 Eis a tradução que enviamos à Folha:

 Acho sempre curioso que os críticos dos novos ateus digam que somos tão maus (ou quase tão maus) quanto fanáticos religiosos. Ao menos concordamos com uma coisa: fanatismo religioso é um fenômeno muito ruim. Mas nós, ateus, não somos, em geral, dogmáticos. Ao contrário, nós apresentamos cuidadosamente os motivos e as evidências por nossas posições, e traçamos diferenças entre as variedades da religião. Outra assimetria é ainda mais importante: os defensores da religião confiam alegremente na ciência para a medicina, a tecnologia, a previsão do tempo, a economia, apesar de eles geralmente não entenderem como ou por que ela funciona. Nós que não devemos lealdade a uma religião frequentemente apreciamos sua música, arte e poesia, mas não encontramos conhecimento em qualquer área – nem a ética, nem a história, nem a metafísica – que esteja à altura do conhecimento secular nessa mesma área.

Atea responde a editorial da Folha de S. Paulo

A Folha de S. Paulo publicou ontem uma entrevista com o importante filósofo Daniel Dennett, um dos ícones do ateísmo moderno, com o título As pessoas têm de aprender a conviver com os “sem-Deus”. Em resposta a suas afirmações, o jornal publicou hoje o editorial Ateus e Religiosos, que termina assim:

Mas o fundamentalismo cristão não age sozinho contra a preservação do desejável clima de tolerância. Também a reação de alguns ateus, como Dennett, às vezes aproxima-se do dogmatismo religioso.
Militantes da descrença exageram ao negar a possibilidade de conciliação entre fé e razão científica -dimensões diferentes da consciência humana. Ao agir como seus antípodas, os fanáticos do ateísmo exigem do público a adesão irrestrita a um dos lados em disputa, sem margem para dúvidas ou ceticismo.
Parecem esquecer que a crença coletiva em verdades incontestáveis, sejam elas reveladas ou “descobertas”, termina por marginalizar -quando não por oprimir- quem as questione.

 

A respeito desse trecho, a Atea enviou à Folha a carta abaixo:

A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos vem parabenizar a Folha mais uma vez por abordar o tema do ateísmo. Embora pareça inusitada a comparação entre ateus e homossexuais, os paralelos são muitos, a começar pela ampla rejeição social que sofrem esses grupos, bem documentada em diversas pesquisas aqui e no exterior.

Rejeitamos enfaticamente a ideia de que existe qualquer semelhança entre as propostas ateus como Dennett e o dogmatismo religioso. Em nenhum momento afirmamos ou sequer insinuamos que nossas propostas não podem ou não devem ser contestadas. Não apenas jamais negamos a dúvida ou o ceticismo, como os encorajamos aberta e entusiasticamente. A despeito disso, não há exagero algum em negar a conciliação entre fé e razão, pois em tudo elas são antônimas e mutuamente excludentes: a fé é a crença dogmática a despeito das evidências, e a razão é a dúvida sistemática a partir das evidências; a ciência analisa todos os dados sem jamais chegar às certezas, e a fé é a certeza independente dos dados; ciência é buscar a verdade com neutralidade, onde quer que ela nos leve, e fé é a quintessência do chauvinismo; ciência significa procurar respostas com racionalidade, e fé é impedir as perguntas.

Associação Brasileira de Ateues e Agnósticos

 


Sugerimos enfaticamente aos interessados que enviem também suas considerações para o Painel do Leitor.

 

Existem ‘ateus fanáticos’?

Aproveitando o debate das últimas postagens: você já viu a cena abaixo acontecer na vida real?

 

 

 



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