Ofensa: qual é o padrão?
Entre janeiro e maio de 2002, ocorreu eu São Paulo uma onda de atentados atribuída ao PCC que levou pânico à população: houve 14 ataques em cinco meses, com saldo de quatro mortes e 17 feridos. Os alvos foram fóruns, prédios públicos e um ônibus com agentes penitenciários no litoral. Em novembro de 2003, ocorreu uma segunda série de atentados com características semelhantes, atribuídos à mesma facção criminosa. Em menos de 30 horas, foram pelo menos dez ações contra a Polícia Militar e uma contra a Guarda Civil Metropolitana. Dois policiais morreram e cinco ficaram feridos, além de outros dois guardas, que foram baleados. Uma granada foi encontrada sob um carro no 43º DP.
Dias depois, o então cardeal-arcebispo metropolitano de São Paulo, Cláudio Hummes, fez a seguinte afirmação, em nota pastoral sobre a violência urbana que seria lida em todas as igrejas de São Paulo:
“O povo diz com simplicidade e muito acerto: ‘A causa da violência é a falta de religião’. A carência de valores religiosos, espirituais e morais na sociedade, nas famílias e na vida individual contribui muitíssimo para a violência.”
Se a carência de valores religiosos e espirituais contribui muitíssimo para a violência, resta claro que os indivíduos sem quaisquer valores religiosos e espirituais são a mais acentuada fonte de violência na sociedade. Em outras palavras: ateus não apenas são maus, são criminosos violentos.
Esse é um dos muitos exemplos da “lógica Datena” em ação, de que os indivíduos que cometem os piores crimes “não têm deus no coração” – isto é, são ateus. Não se trata de um comentário particularmente infeliz ou isolado, mas de uma percepção amplamente partilhada pela sociedade, e continuamente alimentada e justificada por líderes religiosos e políticos.
Veja-se, por exemplo, o trecho de uma entrevista do cardeal britânico Cormac Murphy O’Connor à BBC:
Roger Bolton: O senhor se referiu aos secularistas dizendo que eles têm um entendimento empobrecido do que é ser humano. Ateus podem achar isso ofensivo, não?
Cardeal Murphy-O’Connor: Acho que o que eu disse é verdade. É claro, se o indivíduo é ateu ou outra coisa, essa é, na verdade, a minha opinião. Algo que não é totalmente humano. Se eles tiram o transcendente. Se eles tiram o que eu acredito que é aquilo para o que todos foram feitos, que é uma busca por significado transcendente, que nós chamamos de Deus.Os ateus dizem que isso não tem lugar, mas eu acho que isso é um apequenamento do que é ser humano, pois para ser humano, no sentido em que eu acredito, a humanidade é dirigida porque é criada por Deus. Acho que se deixarmos isso de fora, então você não é plenamente humano.
Essa declaração foi como o cardeal se defendeu de ter afirmado, durante a cerimônia que de posse do novo arcebispo de Westminster, Vincent Nichols, que
“Para Jesus, a incapacidade de acreditar em Deus e de viver pela fé e o maior dos males. As coisas que resultam disso são uma afronta à dignidade humana, destruição da confiança entre os povos, a regra do egoísmo e a perda da paz. Não é possível haver verdadeira justiça, verdadeira paz, se Deus não tem sentido para as pessoas.” (Veja postagem sobre o assunto aqui.)
Em outras palavras, os ateus são um entrave à justiça e à paz. Mas esse tipo de declaração não é exclusividade das autoridades católicas. Durante a campanha presidencial de 2002, o candidato e pastor evangélico Anthony Garotinho afirmou que
“o homem afastado de Deus acaba se tornando violento, acaba praticando toda sorte de crimes“
Esse tipo de afirmação não é nada incomum também quando se trata de políticos. Em setembro de 2009, Lula fez coro com Hummes afirmando que
“com mais religião, o mundo seria menos violento e com muito mais paz”
Ou seja: as pessoas sem religião, incluindo os ateus, são os grandes responsáveis pela violência e por tudo aquilo que impede a paz. A Atea lançou uma carta aberta ao presidente a respeito dessa declaração, mas foi uma voz isolada. Durante a campanha presidencial de 2010, seu opositor José Serra seguiu a mesma cartilha, declarando
“acho bom que o presidente da República acredite em deus. Eu creio que os valores, a espiritualidade que faltam tanto no mundo de hoje têm causado problemas para a humanidade e mesmo para o nosso país, até certo ponto… A religião e a crença em deus permite a uma sociedade desenvolver melhor os seus valores, uma ética de comportamento individual, tanto que quando às vezes se fala ‘nesse lugar vale tudo, deus morreu’, a ideia de deus morreu, a ideia de que deus não existe, a ideia de que deus está ausente, que as pessoas nele não crêem, porque ele está presente mediante a nossa crença, pra cada um, isso faz muito mal para a sociedade. Fará mal também para o Brasil. Eu acredito que a religião e a crença em deus nos aproxima dos valores, nos aproxima da solidariedade.”
Em outras palavras, sua posição é a de que o ateísmo não apenas é uma coisa ruim, que tem causado problemas para a humanidade e para o Brasil, que não é bom que um ateu seja presidente, que o ateísmo atrapalha o desenvolvimento de valores e de ética na sociedade, e por isso lhe fazem mal. Mais uma vez a Atea escreveu uma carta aberta denunciando essas posições, e mais uma vez foi a única a fazê-lo.
Enfim, esses são só alguns exemplos das muitas declarações públicas, dentro e fora do país, em que os ateus são abertamente apontados como criminosos e intrinsecamente maus. No entanto, não há registros de que a comunidade religiosa ou os eleitores tenham repelido esse tipo de posição. As afirmações não deram manchete em lugar nenhum. Não geraram protestos. Os jornais não publicaram cartas ou editoriais indignados. Os partidos que fazem oposição a esses políticosnão exploraram o fato. Os juristas não se pronunciaram. O Ministério Público se calou.
A mensagem é clara: nada aconteceu porque todos, ou quase todos, concordam com essas ideias. A percepção pública é de que nada há de errado em dizer com todas as letras que os ateus são maus, porque eles são mesmo. Que ofensa poderia haver em dizer a verdade?
Por outro lado, quando os ateus se limitam a apontar que Hitler acreditava em deus – assim como quase todos os Alemães na época da segunda guerra mundial – e oferecem isso como prova cabal de que religião não define caráter, isso é ofensa. Note-se, não estamos dizendo que todos os religiosos são como Hitler, ou que poderiam ser, ou sequer que Hitler fez o que fez por ser religioso. Nada disso. Repetindo: nossa afirmação é a de que religião não define caráter, e para prová-la oferecemos contra-exemplos à “sabedoria” popular. E isso é amplamente considerado preconceituoso e ofensivo. Afinal de contas, qual é o padrão para se considerar o que é ofensivo?
Aos ateus, parece bastante claro que não existe um padrão de fato, mas que qualquer ameaça ao status quo religioso que afirma que os ateus são maus será arbitrariamente considerado ‘ofensivo’. É particularmente irônico o fato de que três meses atrás o papa associou o ateísmo ao nazismo, afirmando
“nós conseguimos lembrar como a Grã-Bretanha e seus líderes se levantaram contra a tirania nazista que queria erradicar Deus da sociedade e negava nossa humanidade comum a muitos, especialmente os judeus, que se julgava indignos de viverem”
Ou seja: Ratzinger não se constrangeu em reescrever a história e transformar o regime e os entusiastas do nazismo em instrumentos ou consequências do ateísmo. Apenas os ateus protestaram. Dizer que o nazismo foi ateu é normal. Dizer que religião não define caráter é ofensivo e preconceituoso. Entendeu agora?
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Deus não faz de você uma pessoa melhor
Deus não faz de você uma pessoa melhor
Anos atrás, eu estava em uma lotação indo ao trabalho, quando a perua foi fechada por outra. Os motoristas de cada veículo se conheciam. A motorista da lotação em que eu estava começou reclamar, com razão, da atitude do outro. E concluiu com a seguinte pérola: “E isso que ele vai na igreja! Imagina se ele foi um… um… um ateu!”
Para o religioso, pior do que o crente de outra religião é aquele que não tem religião alguma e não crê em deus. Se alguém que vai toda semana à igreja faz uma coisa dessas, imagina o que faria se fosse ateu, minha Nossa Senhora? Roubaria? Estupraria? Mataria? Que atos inomináveis seria capaz de cometer?
O fato é que, em uma sociedade que luta pela tolerância religiosa, ateus e agnósticos ainda sofrem preconceito. E eles nem podem, por exemplo, ser incluídos no fenômeno do diálogo inter-religioso (no qual cada participante se esforça ao máximo para fingir que respeita a religião do outro).
Muitos anos atrás, quando eu era ateu, sentia isso na pele. Ao dizer que eu era ateu, sempre havia alguns (ou muitos) que me olhavam com desconfiança ou desprezo. E alguns com incompreensão, pois nem ao menos conseguiam conceber que alguém possa não ter fé alguma. De certa forma, era engraçado. Eu entendia os motivos que os levavam a crer no que quer que fosse. Por que então eles não conseguiam entender os motivos que me levavam a não acreditar em nada?
Enquanto membros da religião X podem ser vistos como “heréticos” pelos membros da religião Y — e vice-versa! -, o ateu é um pária para ambos. O membro da “outra religião” pode estar com o diabo, mas o ateu é ainda pior: nem com o diabo ele está!
Com esse preconceito em vista, recentemente a ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) criou uma campanha publicitária promovendo o ateísmo. Ou ao menos o direito a ele. O intuito é que esta campanha fosse veiculada em ônibus de Salvador e Porto Alegre. Infelizmente, elas foram barradas, por medo das companhias de transporte em veicular as peças “polêmicas”. São quatro peças que fazem algumas provocações e, no fundo, convites ao raciocínio.
Fonte: http://entremundos.com.br/revista/atea/
Comércio do Jahu publica notas sobre Atea
Possivelmente como resultado do direito de resposta que o jornal nos concedeu recentemente, o periódio publicou duas notas sobre a Atea no último dia 17:
A introdução de temas religiosos nas eleições presidenciais deitou luzes sobre uma entidade cuja existência era até então praticamente secreta: a Associação Brasileira dos Ateus e Agnósticos, que funciona desde 2008 em São Paulo. Conforme indica seu nome, reúne pessoas que não acreditam em Deus – são 1.400 sócios – e foi nessa condição que enviou carta de protesto ao candidato José Serra por misturar céu com estado laico na sua campanha. Na verdade, a associação também está processando o apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, que associou ateus aos criminosos e Frei Betto, que recentemente qualificou a tortura de prisioneiros como “ateísmo militante”.
A associação é presidida pelo engenheiro Daniel Sottomaior, cuja preocupação é a de afastar dos descrentes a pecha preconceituosa de monstros. Calcula-se que 2% dos brasileiros sejam ateus. Isto significa, segundo os primeiros números do censo que o IBGE está realizando, que somam cerca de quatro milhões. Não é pouco. Sottomaior adianta que a ABAA está pensando em criar a Parada do Orgulho Ateu, a ser promovida em 12 de fevereiro, data do nascimento de Charles Darwin (1809-1882). Como sabemos, Darwin formulou a Teoria da Evolução, contestando a história de Adão e Eva – a grande metáfora da criação divina do homem narrada pelo Livro do Gênesis.
ATEA em programa da TV Aparecida
O programa TVendo e Aprendendo, exibido pela emissora católica TV Aparecida, exibiu no dia 5 de outubro um episódio sobre o poder da fé, contando com o depoimento do presidente da Atea. A matéria pode ser vista no Youtube aqui.
Correio Braziliense dá direito de resposta à Atea
Recentemente, a Atea conseguiu direito de resposta na Folha de S. Paulo relativo ao artigo “Dilma e a fé cristã”, de Frei Betto, disponível em uma versão compacta e outra completa (com diferenças importantes no trecho relevante).
Depois disso, o dominicano reafirmou sua posição no artigo “Ateísmo militante”, publicado no Correio Braziliense, que por sua vez também concedeu direito de resposta, exercido com o texto “Especialmente os ateus”. É mais uma vitória para os ateus.
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Cine racionalista
A pedidos da Sociedade Racionalista USP, reproduzimos link para o Cinema Racionalista, evento programado para o mês que vem.
Estadão publica artigo de opinião defendendo ateus
Leiam tudo aqui.
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