Carta aberta dos ateus ao presidente Lula

Caro presidente 
 
o senhor chegou ao poder carregado pela bandeira de uma sociedade mais justa e mais inclusiva. O uso da palavra “excluídos” no vocabulário das políticas públicas tem o mérito de nos lembrar que as conquistas de nossa sociedade devem ser estendidas a todos, sem exceção. Sim, devemos incluir os negros, incluir as mulheres, incluir os miseráveis, incluir os homossexuais. Mas, presidente, também é preciso incluir ateus e agnósticos, e todos os demais indivíduos que não têm religião.

 Infelizmente, diversas declarações pessoais suas, assim como políticas do seu governo, têm deposto em contrário. Ontem mesmo o senhor afirmou que há “muitos” ateus que falam sobre a divindade da mitologia cristã quando estão em perigo. Ora, quando alguém diz “viche”, é difícil imaginar que esteja pensando em uma mulher palestina que se alega ter concebido há mais de dois mil anos sem pai biológico. Com o tempo, algumas expressões se cristalizam na língua e perdem toda a referência ao seu significado estrito. Esse é o caso das interjeições que são religiosas em sua raiz, mas há muito estão secularizadas. Se valesse apenas a etimologia, não poderíamos nem falar “caramba” sem tirar as crianças da sala.

Sua afirmação é a de quem vê “muitos” ateus como hipócritas ou autocontraditórios, pessoas sem força de convicção que no íntimo não são descrentes. Nós, membros da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, não temos conhecimento desses ateus, e consideramos que essa referência a tantos de nós é ofensiva e preconceituosa. Todos os credos e convicções têm sua generosa parcela de canalhas e incoerentes; utilizar os ateus como exemplo particular dessas características negativas, como se fôssemos mais canalhas e mais incoerentes, é uma acusação grave que afronta a nossa dignidade. E os ateus, presidente, também têm dignidade.

Duas semanas atrás, o senhor afirmou que a religião pode manter os jovens longe da violência e delinqüência e que “com mais religião, o mundo seria menos violento e com muito mais paz”. Mas dizer que as pessoas religiosas são menos violentas e conduzem mais à paz é exatamente o mesmo que dizer que as pessoas menos religiosas são mais violentas e conduzem mais à guerra. Então, presidente, segundo o senhor, além de incoerentes e hipócritas, os ateus são criminosos e violentos? Não lhe parece estranho que tantos países tão violentos estejam tão cheios de religião, e tantos países com frações tão altas de ateus tenham baixíssimos índices de criminalidade? Não é curioso que as cadeias brasileiras estejam repletas de cristãos, assim como as páginas dos escândalos políticos? Algumas das pessoas com convicções religiosas mais fortes de que se tem notícia morreram ao lançar aviões contra arranha-céus e se comprazeram ao negar o direito mais básico do divórcio a centenas de milhões de pessoas. Durante séculos.

O mundo realmente tinha mais paz e menos violência quando havia mais religião? O despotismo dos soberanos católicos na Europa medieval e a crueldade dos feitores e senhores de escravos no Brasil-colônia vieram de pessoas religiosas em um mundo amplamente religioso que violentava povos e mentes em nome da religião. O mundo não tinha mais paz nem menos violência naquela época, como o sabem muito bem os negros e índios.

Não eram católicos os generais da ditadura contra a qual o senhor lutou, e o seu exército de torturadores? Não haveria um crucifixo nas paredes do DOPS onde o senhor foi preso? A base dos direitos individuais invioláveis pela qual o senhor tanto lutou são as democracias modernas, seculares e laicas, e não os regimes religiosos. Tanto a geografia como a história dão exemplos claros de que mais religião não traz mais paz nem menos violência.

A prática de diminuir, ofender, desumanizar, descaracterizar e humilhar grupos sociais é antiga e foi utilizada desde sempre para justificar guerras, perseguição e, em uma palavra, exclusão. Presidente, por que é que o senhor exclui a nós, ateus, do rol de indivíduos com moralidade, integridade e valores democráticos? 

No Brasil, os ateus não têm sequer o direito de saberem quantos são. O Estado do qual eles são cidadãos plenos designa recenseadores para ir até suas casas e lhes perguntar qual é sua religião. Mas se dizem que são ateus ou agnósticos, seus números específicos lhes são negados. Presidente, através de pesquisas particulares sabemos que há milhões de ateus no país, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que publica os números de grupos religiosos que têm apenas algumas dezenas de membros, não nos concede essa mesma deferência. Onde está a inclusão se nos é negado até o direito de auto-conhecimento? Esse profundo desrespeito é um fruto evidente da noção, que o senhor vem pormenorizando com todas as letras, de que os ateus não merecem ser cidadãos plenos. 

Presidente, queremos aqui dizer para todos: somos cidadãos, e temos direitos. Incluindo o de não sermos vilipendiados em praça pública pelo chefe do nosso Estado, eleito com o voto, também, de muitos ateus, que agora se sentem traídos.

Presidente, não podemos deixar de apontar que somente um estado verdadeiramente laico pode trazer liberdade religiosa verdadeira, através da igualdade plena entre religiosos de todos os matizes, assim como entre religiosos e não-religiosos de todos os tipos, incluindo ateus e agnósticos. Infelizmente, seu governo não apenas tem sido leniente com violações históricas da laicidade do Estado brasileiro, como agora espontaneamente introduziu o maior retrocesso imaginável nessa área que foi a assinatura do acordo com a Sé de Roma, escorado na chamada lei geral das religiões.

Ambos os documentos constituem atentado flagrante ao art. 19 da Constituição Federal, que veda “relações de dependência ou aliança com cultos religiosos ou igrejas”. E acordos, tanto na linguagem comum como no jargão jurídico, são precisamente isso: relações de aliança. Laicidade, senhor presidente, não é ecumenismo. O acordo com Roma já era grave; estender suas benesses indevidas a outros grupos não diminui a desigualdade, apenas a aumenta. Nós não queremos privilégios: queremos igualdade e o cumprimento estrito da lei, e muitos setores da sociedade, religiosos e laicos, têm exatamente esse mesmo entendimento. 

Além de violar nossa lei maior, a própria idéia da lei geral das religiões reforça a política estatal de preterir os ateus sempre e em tudo que lhes diz respeito como ateus. Com que direito o Estado que também é nosso pode ser seqüestrado para promover qualquer religião em particular, ou mesmo as religiões em geral? Com que direito os religiosos se apossam do dinheiro dos nossos impostos e do Estado que também é nosso para promover suas crenças particulares? Religião não é, e não pode jamais ser política pública: é opção privada. 

O Estado pertence a todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor, idade, sexo, ideologia ou credo. Nenhum grupo social pode ser discriminado ou privilegiado. Esse é um princípio fundamental da democracia. Isso é um reflexo das leis mais elementares de administração pública, como o princípio da impessoalidade. Caso aquelas leis venham de fato integrar-se ao nosso ordenamento jurídico, os ateus se juntarão a tantos outros grupos que irão ao judiciário para que nossa realidade não volte ao que era antes do século retrasado.

Presidente, por tudo isso será que os ateus não merecem inclusão sequer em um pedido de desculpas?

Associação Ateísta Portuguesa apóia ATEA

A diretoria da Atea recebeu hoje a mensagem abaixo. Agradecemos ao Carlos Esperança e a AAP o reconhecimento do trabalho da entidade.


 

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) manifesta à Atea e ao seu presidente Daniel Sottomaior a sua solidariedade na luta contra as cedências às Igrejas nomeadamente à Igreja católica.

Saudações ateístas,

Carlos Esperança
(Presidente da AAP)

Atea em evidência

Com apenas alguns meses de existência, devido a sua atuação incisiva a Atea já se tornou referência no que diz respeito à laicidade de Estado.ABaixo, vão referências a dois recentes artigos que fazem referência às posições da entidade. Mais uma vez, parabéns a todos os associados que permitiram que isso acontecesse.

 

Associação acredita que Estatuto da Igreja Católica interfere na liberdade religiosa

Agência Brasil 

O Estatuto Jurídico da Igreja Católica, em tramitação no Congresso Nacional, é um “retrocesso” no que se refere à separação entre Estado e religião, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior.  


Procurador: símbolos religosos demonstram influência

Agência Brasil
Para o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior, existem vários outros sinais que mostram a influência da religião no Estado. Ele destaca o exemplo da citação Deus Seja Louvado nas cédulas de dinheiro. “Nenhuma instituição tem esse poder par escrever seus ideais no dinheiro de um país e por seus símbolos no judiciário, no executivo e no legislativo”, ressaltou. Sottomaior acredita que a presença da fé no poder público constrange cidadãos, que como ele, não tem religião.

Contra a laicidade, violência

A presidência da ATEA recebeu hoje duas mensagens de email em tom ameaçador — uma através do endereço institucional e outra em sua caixa pessoal. Divulgamos aqui a íntegra para sua apreciação.

 

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 Este é um e-mail de pedido de informações via https://www.atea.org.br/ de:
Fernando

Eu só posso ter pena de uma pessoa profundamente DOENTE como vc Daniel Sottomayor Pereira !!! Vc é a mais completa tradução da palavra INTOLERÂNCIA !!! Eu vou representar criminalmente contra vc, seu psicopata, perseguidor, caçador de crucifixos !!! O que vc pratica, seu DOENTE, é definido em lei como CRIME DE INTOLERÂNCIA, e eu vou levar vc às barras dos tribunais !!! Depois de levar uma cassetada do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, agora vc acaba de tomar mais uma na cabeça !!! Parabéns Dra. Maria Lucia Lencastre Ursaia, brilhante Juíza Federal, por sua HISTÓRICA DECISÃO, colocando em seu devido lugar praticantes de crimes de intolerância, como esse DOENTE DANIEL SOTTOMAYOR PEREIRA !!!! 

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De: edsonoliveira2014 xxx>
Assunto: CRUCIFIXO

1º FODASSE!!!

ATEU DE MERDA, O MUNDA JÁ ESTA CHEIO DE BOSTA COMO VOCÊ, ELIMINE-SE E VA ENCONTRAR SEUS AMIGOS MUSSOLINI, HITLER E OS OUTROS DA MESMA LAIA QUE VOCÊ, SEU MERDA. NÃO FARÁ FALTA NENHUMA! LEMBRE-SE VOCÊ É DISPENSÁVEL, LIXO JÁ HÁ DEMAIS, ENTÃO SE VOCÊ SE ELIMINAR NÃO IREMOS CHORAR NÃO PROVAVELMENTE TOMAREMOS UMA CERVEJA BEM GELADA PRA COMEMORAR…

CIENTISTA DE BOSTA!

MATÉRIA:

Justiça nega proibição de crucifixos em órgãos públicos 
A juíza da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, Maria Lúcia Lencastre Ursaia, determinou que os símbolos religiosos (crucifixos, imagens, entre outros) poderão permanecer nos órgãos públicos. A decisão liminar da juíza indeferiu o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para a retirada dos símbolos dos prédios públicos. A ação teve início com a representação do cidadão Daniel Sottomaior Pereira, que teria se sentido ofendido com a presença de um crucifixo num órgão público. 

No pedido feito dia 31 de julho, o MPF entendeu que a foto do crucifixo apresentada pelo autor desrespeitava o princípio da laicidade do Estado, da liberdade de crença, da isonomia, bem como ao princípio da impessoabilidade da administração pública e imparcialidade do Poder Judiciário. Porém, a juíza entendeu que não ocorreram ofensas à liberdade de escolha de religião, de adesão ou não a qualquer seita religiosa nem à liberdade de culto e de organização religiosa, pois são garantias previstas na Constituição.
Para a magistrada, o Estado laico não deve ser entendido como uma instituição antireligiosa ou anticlerical. “O Estado laico foi a primeira organização política que garantiu a liberdade religiosa. A liberdade de crença, de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico e não como oposição a ele. Assim sendo, a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas na tolerância aos mesmos”, afirmou ela, na decisão.

Vaticano reconhece críticas da Atea

Ontem, a Rádio Vaticano publicou nota defendendo a concordata. Isso não é novidade. 

O que é novidade é o fato de que, através da ATEA, os ateus vêm se consolidando como uma voz na sociedade — e uma voz importante. A entidade já foi ouvida pela Folha de S. Paulo, por exemplo, em recente matéria sobre a concordata, e agora sabemos que o Vaticano também está prestando atenção no que fazemos e dizemos. É uma vitória das mais importantes, em consonância com nosso objetivo de firmar os ateus como um grupo relevante com posições a serem ouvidas. Parabéns aos membros que fizeram com que isso fosse possível.

Resultados do debate sobre a Concordata

Reprodução do site Ação Educativa: 

www.acaoeducativa.org.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=1910&Itemid=2

Acordo Brasil – Santa Sé fere laicidade estatal e compromete sentido da educação pública

   
Proposta fere princípios constitucionais e pode trazer sérias conseqüências para a educação pública. A laicidade do Estado foi defendida por debatedores de encontro realizado pela Ação Educativa. Confira.

* Seu grupo ou organização tem propostas ou materiais sobre o tema? 
Envie ao relator: dep.chicoabreu@camara.gov.br 

A proposta de acordo entre Brasil e Vaticano fere os princípios da laicidade estatal, da igualdade e da liberdade religiosa e pode trazer sérias conseqüências para a educação pública. O debate sobre a concordata é restrito, mesmo no Congresso Nacional, onde se encontra em tramitação. Há pouca informação a respeito do acordo, que pode ser votado a qualquer momento, por ter aprovado seu regime de urgência. Diante destas considerações, ativistas, parlamentares e estudiosos manifestaram, no último dia 17 de agosto, em debate na Ação Educativa (SP), posição contrária à proposta, assinada em 13 de novembro de 2008, no Vaticano, durante visita do Presidente Lula ao Papa Bento XVI.

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O relator da matéria, Chico Abreu (PR/GO),  reage às propostas do público em evento na Ação Educativa

“Foi um encontro importante para fortalecer o amplo e diverso movimento de crítica à sua proposta e tramitação, em particular pela ausência de informação sobre todo o processo, que tem se dado sem o devido debate plural e democrático”, afirma Salomão Ximenes, advogado e coordenador do programa Ação na Justiça, da Ação Educativa.

O relator da matéria, Chico Abreu (PR-GO), disse que o debate promovido pela organização foi apenas um dos momentos de escuta ampla que devem acontecer no processo de apreciação da matéria que pode contar, inclusive, com audiências públicas. “O dever do parlamentar é escutar. A sociedade brasileira deve enfrentar esta questão. A própria lei proíbe qualquer forma de proselitismo religioso. Este debate deve ser longo e cuidadoso”, afirmou Abreu. Ele se comprometeu a construir um relatório de forma democrática. “Não tenho posição. Não posso limitar o debate. Quero ouvir os segmentos religiosos, educacionais e constitucionalistas e fazer meu trabalho com transparência. Gostaria de construir um relatório que não fira nenhum princípio fundamental da sociedade brasileira”, disse Abreu.

“Este acordo é a oficialização de interesses e práticas políticas históricos da igreja católica na América Latina”, pontua Dulce Xavier, socióloga e feminista, integrante da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir. “A igreja tem um discurso forte e radical para defender outros temas. Por que não defendeu este acordo com a mesma ênfase? Ela usa um discurso em defesa da vida para escamotear seus verdadeiros interesses, majoritariamente de ordem econômica. Ela teve um cuidado expresso de não trazer este debate para a sociedade”, afirma Dulce, que sublinha também o crescimento de setores conservadores dentro da Igreja. 

Cheque em branco para o Vaticano

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), titular da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional foi um dos responsáveis por alguma ampliação deste debate. Por requerimento de Valente, a matéria tramita não apenas nesta comissão (onde foi aprovada no último dia 12 de agosto), mas também nas comissões de educação, cultura e trabalho. “Entre 80% e 90% dos parlamentares não conhecem o acordo e os que estão discutindo insistem em afirmar que ele é uma reafirmação do que já existe. Muito pelo contrário, ele deixa brechas que são verdadeiros cheques em branco do Estado brasileiro ao vaticano”, afirma Valente.

Para Roberto Franklin Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), este debate tem duas vertentes: uma de método e uma que diz respeito diretamente à educação. Em relação ao método, ele critica: “O processo de discussão não existiu e a sociedade brasileira foi excluída”. Em relação à educação, ele afirma: “o acordo é um retrocesso. A escola é um espaço laico e deve respeitar as diferenças e não pode ser espaço de doutrinação”.

Valente explica que o acordo entre um Estado teocrático e um Estado democrático, de natureza religiosa, é diferentemente de outros acordos com Estados teocráticos, como o Irã, Israel ou Arábia Saudita. “A Santa Sé é um Estado e uma religião”, pondera Valente. “Além disso, a religião é do lugar do privado. A escola é do lugar do público. A diversidade religiosa está garantida na Constituição. A proclamação da república e o decreto que define o Estado como laico estão em vigor. Não se pode dar um jeitinho brasileiro na laicidade do Estado”, critica o deputado. 

A professora titular da Faculdade de Educação da USP, Roseli Fischmann, ressalta que outras leis que estabeleciam disciplinas já foram rechaçadas pelo Congresso, a partir da avaliação de que a casa não legisla sobre esta matéria, que seria atribuição do MEC e das escolas. “Para termos uma idéia, Hitler, Mussolini, Franco e Salazar assinaram concordatas com o Vaticano. Da forma como está no documento, algo que não é obrigatório passará a ser, por um Tratado Internacional”, afirma a professora.

“Quando se diz que o acordo não traz nada de novo, não é verdade. O artigo 33 da LDB diz que a oferta de ensino religioso nas escolas públicas é obrigatória e fica vedado o proselitismo, mas a disciplina é facultativa. O artigo 11 do acordo já especifica: ‘o ensino religioso, católico e de outras confissões’… o que vale? O acordo ou a LDB?”, questiona Valente.

Ximenes explica que um tratado pode ser considerado superior a uma lei nacional. “Um Tratado Internacional não é uma alteração simples de lei. Sua aprovação traz implicações severas ao Estado Brasileiro. Estamos minimizando os impactos que este acordo pode trazer para a vida cotidiana dos brasileiros”.

Valente lembra que para reverter um acordo, não basta que uma das partes esteja descontente. Um novo acordo deve ser assinado. “E o crucial é que há trechos neste acordo que podem ser conflitantes com os direitos civis dos brasileiros, como é o caso do divórcio e dos direitos trabalhistas. Além disso, há trechos que permitem interpretação de que o Estado brasileiro deve financiar a preservação do patrimônio religioso”, alerta o deputado. 

Laicidade não é anti-religião

O deputado Ivan Valente chama atenção para um fator importante. Quem paga as aulas de ensino religioso é o Estado. “E não há nenhum levantamento do que é ensinado numa classe de ensino religioso. A lei afirma que ele deve estar presente no ensino fundamental, e em oito estados brasileiros, ele é lecionado no ensino médio. E quem paga? O Estado. Nós, contribuintes. O Estado se obriga a ofertar, ainda que a matrícula seja facultativa”, afirma Ivan. Isso gera reação de outras matrizes religiosas, mas segundo Valente, este não deve ser o nó da questão. “Não precisamos nos alinhar a uma religião para achar isso um absurdo. Trata-se do direito de crer e não crer, da liberdade religiosa sem interferência do Estado e sem financiamento do Estado”, diz.

Na platéria, um militante da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos questionou a ”impossibilidade de contemplar um ateu nas aulas de religião, independentemente da confissão adotada. Ateus e agnósticos já são estigmatizado pela sociedade, e isso só vai piorar com o acordo”.

A Constituição Brasileira veda a discriminação e a diferenciação de cidadãos. Ao escolher uma entre múltiplas matrizes religiosas, o Estado está afirmando uma religião preferencial. E isso diferencia os demais. A afirmação da professora Roseli vem para afirmar que “a idéia de democracia como maioria é uma ignorância política”. Para a professora, a democracia tem uma série de exceções à regra da maioria e não se pode fazer nada que impeça uma minoria de virar maioria um dia, porque é assim que se instala a tirania. “Quem luta por um Estado laico não é anti-igreja católica nem anti-religião. O que cria esta confusão é justamente esta lógica da maioria, que transforma a escola em espaço de conflito, confronto, desinformação e constrangimento”, diz Roseli.

Dulce concorda com a professora e afirma que mesmo dentro da igreja católica há vozes dissonantes. “Apesar de o Vaticano pregar um discurso de unidade, existem visões de resistência dentro da igreja católica. Podemos nos mobilizar para retirar este projeto de tramitação e grupos de dentro da igreja católica poderiam nos apoiar”, diz.

Ximenes pondera que “ter uma posição crítica ao acordo e afirmar a laicidade do Estado não significa negar ou ser contra as religiões. Muito pelo contrário. É afirmar o direito de todos de ter a sua própria crença ou de não ter crença alguma. Isso com absoluto respeito a todas elas e afirmando a não interferência do Estado em relação às diferentes matrizes”.

Para Leão, isso não quer dizer que a religião não possa ser tratada como matéria de estudo em seu sentido antropológico, sociológico, histórico ou filosófico. “Mas uma disciplina de ensino religioso é ilegítima, por isso, este acordo deve ser rejeitado”, diz o presidente das CNTE. 

Retirada da proposta

Ativistas, parlamentares e acadêmicos foram unânimes na sugestão de retirada de tramitação da proposta de acordo. “A questão do ensino religioso deve ser discutida como uma lei ordinária. Isso tira o peso de um tratado internacional e regula a matéria”, sugere a professora Roseli, lembrando que a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) em seu último congresso, realizado em Manaus, aprovou uma moção pelo pedido de retirada da proposta.

A professora provocou a CNTE a propor uma Proposta de Emenda Constitucional pela Escola Laica, via projeto de iniciativa popular. “A melhor maneira de resolver isso é não tendo ensino religioso. Este acordo tem que ser rejeitado”, afirmou Leão, da CNTE.

Valente lembrou a reforma educacional na Venezuela, aprovada esta semana, afirmando o Estado laico e acabando com o ensino religioso. “Aqui, os deputados têm receio de debater esta questão. Cada um tem a sua religião. Mas não se trata disso. Trata-se de um debate sobre a escola pública, a república, a liberdade religiosa, o direito de escolha e como isso forma os cidadãos. O que forma os cidadãos não é o ensino religioso. É a educação para a cidadania e a igualdade de condições”, afirmou.

“A sociedade não precisa de padrões morais e não é a igreja católica que pode fornecê-los. Logo ela, que não faz o que diz e julga com suas próprias leis criminosos como pedófilos. Ela não está preocupada com a qualidade da fé, mas em manter e expandir privilégios que conquistou historicamente”, afirma Dulce. Ela afirma ainda que o poder conquistado pela Igreja impede que muitos políticos batam de frente com ela, por mesmo de perder votos. “A Igreja chega a fazer listas de vereadores ou deputados que defendem o aborto, pedindo que não se vote neles. É esse poder que eles querem defender”, acrescenta a militante.

Ximenes lembra que o Conselho Nacional de Educação emitiu parecer em 1997 sobre o assunto, reafirmando que não cabe ao Estado estabelecer conteúdo para o Ensino Religioso, e que é inconstitucional o Estado aplicar recursos públicos nessa modalidade de ensino. Ele afirma a necessidade de ampliação do debate através de audiências públicas e de novos encontros para formação de massa crítica. 

Para acompanhar a tramitação oficial da Concordata entre o Brasil e a Santa Sé no Congresso Nacional, acesse: http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes
(procure Mensagem n° 134/2006).

O que é uma concordata?
Concordata é o nome que se dá aos acordos assinados pela Santa Sé, órgão máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, com o governo de qualquer país. Devido ao caráter jurídico peculiar da Santa Sé, esses acordos têm status de tratado internacional do tipo acordo bilateral. No Brasil, acordos internacionais são assinados pelo Presidente da República e dependem de posterior aprovação do Congresso Nacional (Constituição,  art.84, VIII). Uma vez aprovados, esses acordos têm força de lei e são incorporados à vida nacional. E, o que é especialmente importante, pelas normas internacionais, não podem ser desfeitos nem alterados por apenas um dos lados.
Fonte: Blog Reação à concordata 

Saiba mais:    

Leia o texto na íntegra da proposta de acordo

Acordo entre Brasil e Vaticano ameaça o Estado laico e as liberdades fundamentais

Perecer do Conselho Nacional de Educação (1997)

Moção SBPC pela retirada da proposta

Moção do Conjuve

* Ação Educativa: www.acaoeducativa.org.br/portal
* Blog Reação à Concordata: http://acordovaticano.blogspot.com
* Católicas pelo Direito de Decidir: http://catolicasonline.org.br/
* Centro Feminista de Estudos e Assessoria – Cfemea: http://www.cfemea.org.br/
* Observatório da Laicidade do Estado – OLE / UFRJ: http://www.nepp-dh.ufrj.br/ole

Atea promove seminário sobre ensino religioso e a concordata



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